Deixe que a IA faça o trabalho chato. O toque de gênio ainda é seu.

Nos últimos dias, uma nova polêmica vem agitando a internet e provocando reflexões profundas sobre autoria, originalidade e os limites da tecnologia: as imagens geradas por inteligência artificial que imitam o traço inconfundível dos Estúdios Ghibli. As redes sociais se dividiram entre encantamento e indignação — de um lado, fãs deslumbrados com a estética nostálgica; do outro, artistas e entusiastas da animação tradicional levantando um alerta: até onde vai a homenagem, e quando ela cruza a linha da apropriação? Em meio a esse debate acalorado, me peguei pensando nas implicações disso tudo sob a ótica de alguém que vive da criatividade — ainda que não do desenho, mas do texto, da publicidade, da estratégia.

Não sou artista, nem tenho formação que me permita avaliar a genialidade dos traços dos Estúdios Ghibli. Mas consigo imaginar o desconforto de ver sua linguagem visual — construída com tanta sensibilidade e identidade — sendo replicada por uma ferramenta que não sente, não viveu, não sonhou aquilo. Não dá pra medir exatamente o impacto financeiro disso para o estúdio, mas emocionalmente… deve ser como se alguém pegasse a sua caligrafia e começasse a usá-la para escrever cartões genéricos. Não porque admira, mas porque é “bonita”. Porque viraliza. Porque dá clique.

Mas, como publicitária, esse incômodo não me é estranho. Ninguém nos perguntou se estava tudo bem pedir ao ChatGPT que fizesse, em três segundos, o trabalho que antes me tomava uma tarde inteira e três cafés. Ninguém nos ofereceu uma cartinha de aviso, um curso de transição, uma vaguinha protegida no LinkedIn. Simplesmente aconteceu. E estamos todos aqui, fazendo de conta que não há uma onda silenciosa (mas constante) de demissões, substituições e reestruturações rolando em vários setores criativos.

Por outro lado, eu sinceramente não acho que a IA seja capaz de banalizar a arte. Porque ela não a compreende. O que ela faz é imitar. E imitação, como qualquer adulto que já comprou um tênis “Mike” na feira sabe, pode até enganar de longe, mas nunca entrega a experiência completa. Basta um olhar um pouquinho mais treinado pra perceber que falta algo — o peso da mão, o suspiro do traço, a intenção. A alma, sabe?

Agora… se é substituível, tem mais é que ser substituído mesmo. E falo com tranquilidade, porque já não sinto saudade das vinte e sete legendas de post que eu precisava parir, suando frio, no final de cada mês. Se a IA pode me ajudar a transformar esse esforço em estratégia, em reflexão, em análise… que assim seja. Que ela seja minha estagiária silenciosa, pronta para transformar meus insights em rascunhos, enquanto eu sigo refinando, lapidando, colocando o toque que só eu posso dar.

Inclusive, é exatamente isso que está acontecendo aqui. Enquanto escrevo, não me preocupo com as repetições, com os vícios de linguagem, com os parágrafos longos demais. Porque sei que, no fim, terei a IA como minha parceira de edição. Ela vai cortar meus excessos, aparar minhas aglutinações e deixar meu pensamento mais palatável para você, leitor. Uma dupla dinâmica: eu com a emoção, ela com a tesoura.

No fim das contas, o que a IA me oferece é liberdade. Liberdade para automatizar o que deve ser automático, potencializar o que pode ser acelerado, e me concentrar na parte mais humana do meu trabalho — sentir, observar, conectar. Talvez seja justamente essa a beleza de tudo: entender que criatividade não é o que a IA nos tira, mas o que ela ainda não consegue imitar. E possivelmente, nunca consiga.